“Ninguém sabia que era possível fazer jogos no Brasil.”
Saulo Camarotti fundou a Behold Studios, uma das desenvolvedoras brasileiras mais antigas, há mais de 15 anos. O estúdio é conhecido principalmente pelo RPG Knights of Pen & Paper de 2012 e pela sequência Galaxy of Pen and Paper de 2017. Mas quando começou, começar um negócio de jogos no Brasil não era comum.
“Estávamos tentando chegar a eventos internacionais, como GDC ou Gamescom, tentando lançar nossos jogos – e foi uma grande surpresa para a maioria dos editores”, lembra Camarotti. “Eles não estavam tão confortáveis com novos estúdios. A indústria de jogos [in Brazil] era bem novo na época. Então, nós tivemos um pouco de preconceito, e foi difícil para eles investirem no país.
“Mesmo 15 anos depois, eu acho que ainda é, para alguns, uma coisa louca investir em uma produção de jogos na América Latina. Mas as editoras nos últimos cinco [or] “dez anos é uma questão de me acostumar com a cena, de me acostumar a trabalhar com brasileiros, então isso é bom.”
O Brasil ainda não tem uma indústria AAA, observa Camarotti, embora tenha “grandes estúdios”. Eles não estão necessariamente produzindo conteúdo AAA — se estão, geralmente é trabalho por encomenda com estúdios ocidentais — mas sim se concentrando em jogos mobile gratuitos.
“Não temos a força de trabalho que está saindo da AAA e indo para outras empresas e melhorando a qualidade das produções de jogos”, ele diz. “Então, por exemplo, eu moro em Toronto, Canadá. E vejo que os alunos que estão saindo das universidades estão indo trabalhar para uma Ubisoft ou uma AAA, então eles ganham experiência, e às vezes eles abrem seus próprios estúdios. E aqui no Brasil, estamos abrindo os estúdios por necessidade – não há ninguém para nos contratar.
“Esse foi o meu caso. Há 15 anos, eu estava me formando em ciência da computação, queria trabalhar com jogos e na minha cidade natal, Brasília – uma cidade enorme [of] três milhões de pessoas – não havia ninguém para me contratar, nenhuma empresa, nenhum negócio. Então, tive que abrir o meu próprio.”
Uma primeira versão do estúdio como um desenvolvedor de trabalho por encomenda foi criada em 2009, mas foi fechada em 2011 antes de ressurgir das cinzas para se tornar o que é hoje.
“Na época, todo mundo dizia ‘Você deveria fazer um negócio de trabalho por encomenda'”, lembra Camarotti. “Então comecei a fazer alguns ‘advergames’ e serious games, ou até mesmo co-dev — tentando, pelo menos. E nos dois primeiros anos, estava tudo bem, mas não necessariamente bom o suficiente para continuarmos. Então decidimos fechar o estúdio.”
Camarotti acabou formando uma nova equipe de quatro pessoas com ex-funcionários que estavam interessados em continuar fazendo jogos e adotaram “uma abordagem muito indie para o desenvolvimento de jogos”.
“Foi quando começamos Knights of Pen and Paper; seis meses depois, éramos os melhores da App Store e do Google Play. E foi tipo, ‘Ah, ok, então podemos fazer nossos próprios jogos, podemos criar nossos próprios IPs’. Então foi nisso que começamos a focar.”
O que mudou, acrescenta Camarotti, foi focar em projetos nos quais eles realmente acreditavam, em vez de perseguir uma tendência de negócios “pelo dinheiro”.
“Isso mudou tudo. Toda vez que começamos um novo projeto, e percebemos que estamos fazendo isso apenas porque é bom para o mercado, ou uma espécie de motivação externa, não dá certo. Mas quando olhamos para dentro, tentamos encontrar coisas pelas quais estamos realmente entusiasmados, é aí que brilha. Então acho que é isso que aprendemos.”
O projeto mais recente do estúdio é Cosplay Club, outro RPG baseado em turnos, mas dessa vez com foco em se tornar um cosplayer. Foi lançado em Early Access em dezembro de 2023, tendo sido financiado em apenas duas horas por meio de uma campanha do Kickstarter em 2022.
“Nós realmente queremos chegar ao nicho”, Camarotti diz quando perguntamos sobre suas expectativas para o título. “Nós realmente queremos encontrar cosplayers e pessoas que são muito entusiasmadas com cosplay ou mesmo pessoas que querem ser cosplayers [but] não temos as habilidades, e estamos tentando criar essa experiência de RPG, saudável e emocionante de certa forma.
“E queremos levar isso para os consoles, queremos entrar no mobile e ver o que acontece. Não temos números como o que esperamos disso, mas é só diversão e tentar encontrar parceiros para levar isso para os consoles.”
O Behold Studios continua pequeno, com uma equipe de oito pessoas dividida entre o Canadá (três pessoas) e o Brasil (cinco funcionários).
“Sentimos que somos um estúdio brasileiro”, diz Camarotti. “Claro, podemos nos beneficiar de estar nos dois países. Temos créditos fiscais no Canadá, temos acesso a eventos e muitas coisas. Mas 100% da nossa equipe é brasileira, contratamos apenas brasileiros”, ele ri. “Então, nos sentimos como uma equipe brasileira, com certeza.”
Mas a introdução de um novo quadro legal no Brasil irá lentamente mudar coisas como o acesso a créditos fiscais, por exemplo, à medida que discutido longamente na terça-feira. E, no geral, a indústria no Brasil evoluiu muito desde os primeiros dias do Behold Studios.
“O talento [in Brazil] é incrível”, diz Camarotti. “É diferente de todos com quem trabalhei, as pessoas são [such] trabalhadores esforçados, e eles encontram seu caminho. Não temos muitos recursos, nunca tivemos. Mas podemos fazer praticamente tudo. Então é muito bom ter alguns brasileiros na equipe, porque eles simplesmente criam soluções muito criativas para tudo. Acho que essa é a maior vantagem de trabalhar com brasileiros. Eu realmente amo a estética dos brasileiros [artists as well]. Temos artistas no mundo todo, trabalhando para todos os grandes estúdios.”
Mas isso não quer dizer que a indústria no Brasil esteja completamente isenta de desafios.
“Não temos as melhores conexões de internet banda larga aqui”, diz Camarotti. “Mas temos boas — o suficiente para estar conectado. Não é tão barato, mas temos uma parte muito grande da população conectada.”
Mas quando se trata de outros aspectos práticos de administrar um estúdio no Brasil, Camarotti observa que os brasileiros realmente adotaram o trabalho remoto, como também observamos em nosso visão geral do mercado na segunda-feira.
“Mesmo 15 anos depois, acho que ainda é, para alguns, uma loucura investir na produção de jogos na América Latina”
“Você não precisa mais se deslocar, não usa transporte público que não é tão bom. Trabalhar remotamente [is] muito bom. Uma coisa que está acontecendo muito é que os brasileiros estão conseguindo empregos em outros países. Então eles estão sendo pagos em dólares americanos e vivendo a vida aqui. Então eu acho que isso é uma coisa boa. E eles estão começando a ganhar muita experiência por causa disso.”
Ele acrescenta que historicamente o Brasil sempre exportou talentos para o mundo todo.
“E eu sou um dos casos, certo? Acabei de ir para o exterior, queria viver com minha família e ver o que tem lá fora. E é bom estar lá.
“Ao mesmo tempo, agora as oportunidades de trabalhar remotamente, mas ainda estando no Brasil [are] muito bom. Então é interessante, porque os brasileiros são mais baratos se estiverem trabalhando remotamente, porque o Brasil é um lugar mais barato para se viver em comparação com a América do Norte e a Europa. É muito interessante ver pessoas conseguindo empregos nos EUA e conseguindo [paid in] dólares. US$ 30.000 por ano é muito aqui.”
De forma mais pessoal, Camarotti destaca seus desafios pessoais na gestão do Behold Studios desde o sucesso de Knights of Pen & Paper.
“Ao longo dos primeiros dez anos, meu trabalho foi 60% dedicado ao estúdio e provavelmente 40% dedicado à cena indie. Eu estava me voluntariando para hospedar game jams, eu estava tentando trazer editores, eu era um diretor regional para [the Brazilian trade association]Eu estava tentando promover a cena de desenvolvimento de jogos independentes. E isso exigiu muito esforço. E nenhum retorno disso. Mas, ao mesmo tempo, era uma grande parte do meu [job].
“E eu acho que foi um grande desafio, porque eu não estava focando apenas no meu próprio negócio, eu precisava promover todo mundo, e ensinar, e era importante para mim como estúdio ter um bom ambiente de outros estúdios, e assim nós podemos co-desenvolver ou compartilhar experiências, e nós não tínhamos ninguém nos ensinando. Nós meio que estávamos empurrando o carrinho para frente.”
“Investidores e editores devem olhar para outros países como um lugar para se inspirar e criar jogos de diferentes perspectivas”
O Brasil é o quinto maior mercado global em termos de número de jogadores ativos, com Camarotti dizendo que os brasileiros estão ocupando particularmente o espaço online de títulos como PUBG, Free Fire ou Fortnite.
“É um público enorme, e eles são muito bem conectados”, ele diz. “Eu acho que há muitas oportunidades em jogos free-to-play, especialmente jogos que rodam bem em dispositivos de baixo custo. Eu acho que esse é o público principal no Brasil, com certeza.”
Ele acrescenta rindo: “E não é isso que estou fazendo. Estou fazendo o oposto. Estou fazendo jogos de ponta, tentando fazer jogos de console e premium.”
Concluindo nosso bate-papo, Camarotti destaca que a indústria de games está em crise no mundo todo – e esse é um bom motivo para olhar para mercados em expansão como o brasileiro.
“Esses últimos dois anos, é só muita luta e eu acho que investidores e editores deveriam olhar para outros países como um lugar para se inspirar e criar jogos de diferentes perspectivas. Isso pode ser muito importante para toda a indústria. Então, ir para o Brasil, Argentina ou Uruguai e tentar encontrar talentos diferentes. E eu sei que há algumas oportunidades por aí, surgindo para BIPOC ou pessoas queer. E eu acho que também para os latinos, seria muito bom ver mais jogos que são diferentes.”