A mineradora anglo-australiana BHP foi acusada de “tentar cinicamente e obstinadamente evitar” a responsabilidade pelo pior desastre ambiental do Brasil na abertura do maior processo coletivo da história jurídica inglesa.
O pedido de indenização de até £ 36 bilhões foi aberto por advogados atuando em nome de mais de 620.000 indivíduos no tribunal superior de Londres. Acontece nove anos depois que o rompimento de uma barragem que continha resíduos tóxicos de uma mina de minério de ferro matou 19 pessoas perto da cidade de Mariana, no sudeste do Brasil.
Em sua apresentação inicial, Alain Choo Choy KC, em nome dos requerentes, sugeriu que as “profundas deficiências” do processo de reparações no Brasil levaram o caso a ser aberto na Inglaterra. Ele acusou BHP de dedicar “recursos muito substanciais para colocar obstáculos no caminho das reivindicações inglesas dos requerentes”.
Surgiu um “abismo” entre o nível de compensação que a BHP considerava “aceitável” pelo desastre e o montante a que as vítimas tinham direito “moral e legal”, ouviu o tribunal.
“Isto não é a BHP enfrentando suas responsabilidades, mas sim cínica e obstinadamente tentando evitá-las”, afirmou o advogado dos reclamantes em documentos judiciais. “Embora essa seja uma escolha da BHP, ela não pode agora afirmar ser uma empresa que está ‘fazendo a coisa certa’ pelas vítimas do desastre.”
A petição inicial à Sra. Juíza O’Farrell continuou: “Certamente não há injustiça nos requerentes que procuram responsabilizar a BHP adequadamente em Londres em circunstâncias em que as possíveis rotas de reparação no Brasil não foram eficazes”.
Cerca de 50 milhões de metros cúbicos de resíduos tóxicos foi liberado quando a barragem de Fundão rompeu em 5 de novembro de 2015.
A avalanche atingiu a pequena comunidade de Bento Rodrigues em poucos minutos matando 19 pessoas incluindo uma criança de sete anos e destruindo pontes, estradas, casas, fábricas e outras instalações comerciais bem como terras agrícolas, vida selvagem e igrejas históricas contendo artefatos de valor inestimável.
A barragem era administrada por uma empresa brasileira, Samarco, da qual a BHP e a mineradora brasileira Vale eram acionistas conjuntos.
Após o colapso, a BHP, juntamente com a Vale e a Samarco, estabeleceram o Fundação Renova fornecer compensação a indivíduos e algumas pequenas empresas por perdas e danos, bem como mitigar os impactos ambientais.
Muitas das partes lesadas também apresentaram ações individuais nos tribunais brasileiros, mas a maior ação coletiva foi suspensa após a abertura das negociações de acordo.
A BHP e a Vale propuseram aumentar sua oferta no caso brasileiro em cerca de US$ 5 bilhões, para quase US$ 30 bilhões, na véspera do julgamento no tribunal superior, mas a oferta foi rejeitada pelo escritório de advocacia Pogust Goodhead, que vem preparando o caso em Londres, pois uma “tentativa desesperada” de evitar a responsabilização.
Numa petição inicial, os advogados dos requerentes alegaram que a BHP sabia que os riscos eram elevados à medida que aumentavam a produção na mina de minério de ferro.
“Uma matriz de risco compartilhada com a BHP em 2009 considerou que o fracasso de Germano e Fundão [dams] poderia levar a ‘100 mortes (distrito de Bento Rodrigues)’”, alegaram os reclamantes.
“Uma apresentação da BHP em novembro de 2012 destacou ainda que um rompimento da barragem poderia atingir a comunidade ’em menos de 10 minutos’, e que a falta de um plano de realocação para Bento Rodrigues (no contexto de uma nova barragem planejada) era um é importante melhorar.”
Na sua defesa, a BHP rejeita alegações de que é responsável como acionista e nega qualquer conhecimento de que a estabilidade da barragem tenha sido comprometida ou que os seus quadros superiores “aprovaram as questões que causaram o colapso”.
Escreve: “Os diretores da Samarco nomeados pela BHP Brasil não foram informados de que a segurança da barragem estava sendo comprometida. Na verdade, engenheiros e especialistas, incluindo especialistas independentes, garantiram-lhes repetidamente que a gestão da barragem era ‘bem controlada’”.
A acção legal dos requerentes está a ser financiada pela gestora de activos alternativos dos EUA, Gramercy. Além de mais de 620 mil pessoas, os requerentes incluem 2 mil empresas, 46 municípios e 65 organizações religiosas.
A BHP alega em sua defesa que “advogados e financiadores” terão direito a “receber até 30% da indenização dos reclamantes em honorários advocatícios”.
Fora da quadra, Gelvana Aparecida Rodrigues da Silva, 37 anos, cujo filho Thiago, de sete anos, morreu afogado no desastre, disse: “Tem sido muito difícil nestes últimos nove anos, mas tenho que ser forte. Minha esperança é encontrar justiça aqui. No Brasil, é impossível.”
O julgamento deve durar 12 semanas, mas uma segunda rodada de audiências será necessária para definir o valor dos pagamentos caso a BHP seja considerada responsável.