EUno quintal da sede da polícia federal em Roraima, o estado mais ao norte do Brasilsacos gigantes estão espalhados e transbordando com um mineral preto-azeviche, parecido com cascalho: cassiterita. Embora menos conhecido do que outros itens apreendidos durante uma repressão à mineração ilegal neste estado da Amazônia – incluindo um helicóptero Sikorsky S-76 pintado com as cores da bandeira brasileira – a cassiterita se tornou tão procurada que é apelidada de “ouro negro”.
Cassiterita é o principal minério de estanho, um mineral menos anunciado, mas crítico para a transição energética. É usado em revestimentos para painéis solares, baterias de íons de lítio e solda para eletrônicos, incluindo turbinas eólicas, telefones celulares, computadores e ligas industriais.
De acordo com a Agência Internacional de Energia, a procura de minerais energéticos críticos deverá quase triplicar até 2030 para atender às necessidades de transição energética.
Num mercado mundial aquecido pela procura das empresas multinacionais e com os preços do estanho em alta – subiu 29% nos primeiros seis meses deste ano – O Brasil se tornou um dos maiores exportadores mundiais do metal.
No entanto, além do aumento dos lucros e das exportações de commodities, a corrida pela cassiterita se tornou um novo problema ambiental e policial.
Considerado um mineral de conflito na União Europeia e a NÓSa cassiterita tem atraído cada vez mais não apenas empresas, mas também gangues de mineração ilegal na Amazônia brasileira.
Os criminosos também lucraram com a extração ilegal de manganês e cobre, que também são vitais para a transição energética. Os preços desses minerais dispararam este ano, com o manganês quase dobrando.
A busca por metais críticos ganhou força após Governo brasileiro lança iniciativas para incentivar investimentos críticos em mineraçãodado o crescente interesse das empresas de mineração internacionais na riqueza mineral do país.
O banco de desenvolvimento BNDES e a multinacional brasileira de mineração Vale planejam lançar um fundo de investimento para apoiar projetos nacionais de produção de minerais essenciais – incluindo estanho, manganês e cobre – com o governo publicando uma manual do investidor.
Ao mesmo tempo, a atividade de grupos de mineração ilegal ameaçou o povo indígena Yanomami. Gangues já ativas na mineração de ouro, inclusive no maior território indígena, viram cassiterita, manganês e cobre como subprodutos valiosos.
A 14-21 dólares (11-16 libras) o quilo, a cassiterita é uma pequena mudança em comparação com o ouro, que atingiu níveis recordes de quase US$ 80.000 o quilo este ano. No entanto, é mais abundante e mais fácil de extrair.
Agentes federais dizem que uma operação de mineração de ouro em terras Yanomami poderia render cerca de 4 kg de ouro por mês em média, enquanto produz 300 kg de cassiterita por dia. Mas a mineração de ouro, especialmente em áreas isoladas de terras Yanomami, requer dinheiro significativo para pagar alimentos e outros custos para os milhares de mineradores e combustível para manter as máquinas que consomem muito diesel funcionando.
“A cassiterita na terra Yanomami basicamente financia a mineração de ouro”, diz Diego Milléo Bueno, superintendente em Roraima do Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama).
“A cassiterita é a base; ela paga o combustível, ela paga os trabalhadores; ela paga tudo.”
Até agora neste ano, as autoridades apreenderam e destruíram mais de 38 toneladas de cassiterita no território Yanomami, de acordo com dados do governo.
Davi Kopenawa, um renomado ativista e xamã Yanomami, diz: “Muitas pessoas do exterior estão olhando para a riqueza do Brasil e suas terras indígenas como nunca antes.”
FA polícia rodoviária de Roraima começou a abordar caminhões carregados com cassiterita em abril de 2021, durante a pandemia de Covid-19. “Não sabíamos o que era; tivemos que fazer um teste”, diz um policial, Isaías Magalhães, cuja equipe apreendeu 63 toneladas naquele ano.
“Então, percebemos que eles começaram a transportá-lo escondido sob outros produtos, como peixes e melancia.”
A cassiterita é retirada do distante território Yanomami por meio de aviões ou barcos, mais comumente em grupos de sacos de 50 kg. Helicópteros e quadriciclos são frequentemente usados para transportá-la localmente, e o metal é então levado para fazendas do outro lado da fronteira da terra Yanomami.
De Roraima, motoristas transportam cassiterita em caminhões para o estado vizinho do Amazonas. Do porto de Manaus – onde 60 toneladas de cassiterita destinados à China foram apreendidos de uma só vez em 2022 – podem acessar o resto do Brasil ou o mundo.
Em 2022, último ano do governo de extrema direita de Jair Bolsonaro, quando os preços do estanho atingiram uma alta histórica, a polícia rodoviária apreendeu 191 toneladas de cassiterita. No ano seguinte, a polícia de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva assumiu o poder e prometeu acabar com a mineração ilegal em terras indígenas; as apreensões nas estradas caíram para 25 toneladas.
Entre problemas de corrupção entre funcionários públicosas apreensões diminuíram nos últimos dois anos. Em junho, as autoridades apreendeu 23.000 toneladas de manganês a ser exportado para a China, enquanto em julho a polícia federal fechou uma mineração ilegal de manganês sítio na terra do povo indígena Kayapó, no estado do Pará.
No início do ano, também no Pará, a polícia fez batida vários sites prospecção de cobre e ouro, uma das quais incluía trabalhadores mantidos em condições análogas à escravidão.
No ano passado, um governo federal operação policial, Disco de Ourodescobriu um golpe gigantesco de lavagem de cassiterita envolvendo um agente de uma cantora popular brasileira e outro com o mineral extraído ilegalmente vendido a uma empresa que tem vários multinacionais como clientes listados.
O delegado da Polícia Federal em Roraima, Caio Luchini, diz que é mais fácil esconder a origem ilegal da cassiterita e minerais similares do que do ouro, que tem “controles mais rígidos”.
“Com esse boom da cassiterita e de outros minerais, vale a pena reanalisar nossa legislação”, diz ele.
Em dezembro passado, a polícia federal investigou a White Solder, uma importante produtora brasileira de estanho, por comprar cassiterita de uma cooperativa de mineração que a obtinha ilegalmente do território Yanomami. A White Solder também foi listada como fornecedora de nomes conhecidos, incluindo Amazon, Disney e Starbucks, conforme revelado pelo jornal brasileiro Folha de S Paulo.
O Guardian entrou em contato com White Solder e a Disney, mas não recebeu nenhuma resposta.
A Amazon diz que está “comprometida em fornecer produtos e serviços que sejam produzidos ou fornecidos de uma forma que respeite os direitos humanos e o meio ambiente” e espera que seus fornecedores apoiem seus esforços “para identificar a origem do ouro, estanho, tungstênio e tântalo usados em produtos que fabricamos ou contratamos”.
A Starbucks disse que estava “comprometida com o fornecimento ético em nossa cadeia de suprimentos e não temos contratos em vigor com a White Solder”.
EUNa capital de Roraima, Boa Vista, a mineração tem tanto apoio público que uma estátua de um mineiro fica do lado de fora de sua assembleia legislativa e Bolsonaro recebeu uma votação esmagadora no estado nas eleições presidenciais de 2022.
Muitos em Roraima culpam a repressão à mineração como uma razão para o desemprego e as dificuldades. “A cidade é fraca”, diz Rafael, 32, que é minerador desde os 17 anos e falou sob a condição de não revelar seu sobrenome.
“Antes, as pessoas chegavam do garimpo com dinheiro para gastar”, diz ele, usando o termo em português brasileiro para um acampamento de mineração ilegal de pequena escala.
Ele diz que em três meses, ele poderia ganhar até 40.000 reais (£ 5.500), pagos em ouro, em comparação com o salário mínimo mensal do Brasil de R$ 1.412. “Eu gastei tudo”, ele ri.
Rafael diz que pagou R$ 3.000 por um voo para fora do território Yanomami no ano passado, pouco antes do início das repressões, e desde então, ele tem trabalhado em minas na Guiana, para onde muitos outros mineradores brasileiros também foram. “É mais seguro”, ele diz. “No Brasil, você tem que dormir com um olho aberto.”
Embora esteja se recuperando de seu oitavo surto de malária, Rafael planeja retornar à Guiana – onde a mineração “é legal” – assim que estiver melhor, embora ganhe menos dinheiro lá.
Outro brasileiro que trabalha na Guiana é Rodrigo de Mello Martins, também conhecido como Rodrigo Cataratas, que está sendo investigado por mineração ilegal.
Cataratas concorreu como deputado federal pelo partido Liberal de Bolsonaro nas eleições de 2022, declarando R$ 33 milhões em ativos, incluindo várias aeronaves. Em uma declaração escrita ao Guardian por meio de seu advogado, Cataratas disse que estava colaborando com as autoridades e “confia que a verdade prevalecerá” e “a mineração, quando realizada de forma responsável, pode ser uma força motriz para o desenvolvimento econômico, gerando empregos e melhorando a infraestrutura local”.
Embora especialistas reconheçam a queda na mineração ilegal desde as repressões, alguns temem que o aumento nas apreensões de drogas em Roraima seja um sinal de que grupos do crime organizado estão usando rotas logísticas de mineração ilegal no território Yanomami para o tráfico de drogas.
Iniciativas recentes, como a das Nações Unidas Painel sobre Minerais Críticos para a Transição Energéticalançadas pelo secretário-geral da ONU, António Guterres, enfatizaram a importância do envolvimento respeitoso com as comunidades indígenas e outras comunidades locais.
“Há muitos danos que acontecem na extração que são legais”, diz Aimee Boulanger, diretora executiva da Iniciativa para Garantia de Mineração Responsávelum membro não estatal do painel da ONU.
“Já temos a tecnologia para seguir as melhores práticas em mineração e temos algumas empresas se destacando no momento da oportunidade”, diz Boulanger. “Mas precisamos de leis para exigir isso e mercados para valorizá-lo.”
O relatório foi realizado com o apoio da Earth Journalism Network