Comunidades ribeirinhas em Argentina temem que os planos de Javier Milei de privatizar as operações numa importante rota marítima possam causar danos ambientais e destruir o seu modo de vida.
Desde que assumiu o cargo, há quase um ano, o autoproclamado presidente “anarcocapitalista” comprometeu-se a privatizar uma série de activos do Estado. A mais recente é a hidrovia Paraguai-Paraná – uma rota marítima de importância estratégica para a Argentina e seus vizinhos.
Ao anunciar a decisão na terça-feira, o chefe de gabinete Guilherme Franco disse que a Argentina não estará mais envolvida na gestão e manutenção da hidrovia. Disse que uma concessão de 30 anos implicará uma “grande modernização da gestão da hidrovia” que irá “impulsionar gradualmente o comércio internacional”.
O hidroviaque tem mais de 3.400 km (2.100 milhas) de extensão, fornece acesso ao mar às áreas interiores do Paraguai, Bolívia e sul do Brasil. É vital para o transporte de soja e grãos para o exterior, e quase 80% do comércio exterior da Argentina é canalizado através dele.
“Esse marco permitirá que 80% do nosso comércio exterior tenha taxas logísticas mais eficientes e menores”, afirmou Luis Zubizarretao presidente da Câmara dos Portos Comerciais Privados.
Juan Carlos García, 68 anos, nascido no delta do Paraná e descendente do povo indígena guarani, descreveu ter sentido uma “grande dor” ao saber da notícia. “Vamos lutar”, disse ele. “Os danos ambientais serão terríveis.”
O delta do rio Paraná abriga abundantes espécies de flora e fauna e é um corredor migratório para pássaros. As suas zonas húmidas também ajudam a regular o clima, a armazenar água e a actuar como sumidouro de carbono. García teme que o aumento do transporte marítimo aumente a poluição e as atividades de dragagem, perturbando assim os habitats.
Diego Domínguez, um professor de 50 anos, também se disse preocupado com a “exploração dos rios”, acrescentando que a “privatização dos recursos naturais implica violência contra a vida em benefício de poucos”. A hidrovia foi anteriormente privatizada na década de 1990, antes de voltar ao controle estatal há vários anos.
Carlos Veron, capitão fluvial de 73 anos e 44 anos, disse acreditar que a licitação é para “benefício exclusivo” de empresas multinacionais. “Eles fazem isso num momento em que mais de 50% do nosso povo vive abaixo da linha da pobreza”, disse ele.
Nos últimos cinco anos, a hidrovia também ganhou importância como importante rota do tráfico de drogasque transportam cocaína do Peru e da Bolívia através de portos como a cidade de Rosário, no interior, de onde é exportada para a África e a Europa. Em sua declaração, Francos disse que o governo implementará radares e sistemas de satélite para o tráfico de navios e aumentará as medidas de combate ao “tráfico de drogas e ao terrorismo”.
Milei assumiu o cargo em Dezembro passado prometendo atacar com uma motosserra o orçamento do Estado, anular um profundo défice fiscal e domar a inflação de três dígitos. Recentemente, ele esteve envolvido em disputas sobre outras privatizações, incluindo a de uma companhia aérea estatal. Companhias Aéreas Argentinas e a principal empresa estatal de carga do setor ferroviário, Cargas de trens argentinos.
Porém Marcelo J Garcia, diretor do Américas para a empresa de consultoria geopolítica Horizon Engage, com sede em Nova Iorque, descreveu a proposta Paraguai-Paraná como “a maior e mais importante privatização” que a administração Milei empreendeu até agora.
“A forma como o processo decorrer também terá implicações geopolíticas”, disse ele. “É um grande teste para a capacidade da administração Milei de reformar e melhorar a competitividade da economia argentina.”