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As inundações mortais no sul do Brasil podem estimular a mudança para a energia verde? | Desenvolvimento global

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Bao lado de um estreito canal que atravessa a periferia de Porto Alegre, no sul Brasiluma fileira de casas de madeira com cercas improvisadas apoiadas entre pilhas de escombros e postes de energia emaranhados em fios flácidos. Da estrada de terra, Alexandra Marina Romero, 27 anos, observa as consequências de um desastre. “Havia uma igreja aqui”, diz ela. “Agora tudo acabou.”

Em Maio, uma inundação devastadora devastou o seu bairro, deixando um rasto de caos e desencadeando uma crise humanitária. “O que passamos foi horrível. A água tomou conta de tudo”, diz Romero, balconista de supermercado que migrou da Venezuela para o Brasil em 2018.

Ela perdeu todos os seus pertences no desastre e agora teme se mudar novamente em busca de um lar mais seguro. “Eu chorei muito. Às vezes temo uma nova inundação. É algo que nunca imaginaríamos que aconteceria”, diz Romero.

Alexandra Marina Romero, que tem quatro filhos pequenos, perdeu todos os seus pertences quando a enchente atingiu sua casa no bairro Sarandi, em Porto Alegre. Fotografia: Daniel Marenco/Guardião

No ano passado, o estado mais meridional do Rio Grande do Sul enfrentou uma das piores catástrofes ambientais da história recente do Brasil. Uma série de inundações sem precedentes afetou mais de 2 milhões de pessoas em 95% dos seus municípios e deslocou mais de 420.000, de acordo com a agência de refugiados da ONU, ACNUR.

No pior incidente de maio passado, 183 pessoas morreram, 27 ainda estão desaparecidas e 806 ficaram feridos. Muitos moradores perderam totalmente suas casas quando as ruas se transformaram em rios. Seis meses depois, quase 1.800 pessoas ainda não conseguem voltar para casae vivem em 40 abrigos em 23 cidades diferentes, afirma o ACNUR.

As inundações podem ter custou à economia brasileira 97 bilhões de reais (£ 13 bilhões), com danos de R$ 58 bilhões apenas no Rio Grande do Sul.

À medida que os efeitos da crise climática são cada vez mais sentidos na América do Sul, as autoridades estatais procuram urgentemente adaptar-se e mitigar os riscos de inundações e eventos climáticos extremos numa região onde o número de dias de chuvas extremas mais que dobraram desde a década de 1960.

As enchentes em Porto Alegre. Seis meses depois, cerca de 1.800 pessoas ainda vivem em dezenas de abrigos. Fotografia: Daniel Marenco/The Guardian

O Sul do Brasil – assim como o resto do país – é um excelente modelo de adoção de energia limpa. De acordo com o relatório do Ministério da Energia do ano passado sobre a Balanço Energético Nacionalmais do que 80% da eletricidade do Brasil já vem de fontes renováveis: 58,6% é fornecido por hidrelétricas, a energia eólica cresceu para 17,6% e agora fornece tanta energia quanto os combustíveis fósseis, enquanto 5,7% da energia vem da energia solar.

No entanto, o Rio Grande do Sul é um dos três estados do Brasil que ainda dependem do carvão para obter energia, e o governo do estado vê as inundações como uma oportunidade para expandir iniciativas verdes para impulsionar uma economia em dificuldades – estima-se que diminua em quase 10% em 2024, diminuindo o PIB do Brasil em 1%.

In October, Rio Grande do Sul’s governor, Eduardo Leite, lançou um Plano de Transição Energética Justa para o estado, incluindo centrais de hidrogénio verde (H2V) e o primeiro parque eólico offshore do estado para apoiar a mudança para energias renováveis ​​e promover o crescimento económico, especialmente em comunidades que ainda dependem do carvão.

As principais metas do plano incluem atingir emissões líquidas zero até 2050 e garantir o desenvolvimento sustentável para as comunidades locais.

Elisandro Dutra Glubert, mestre de obra, já perdeu a conta de quantas pessoas já resgatou como voluntário. As inundações também destruíram a sua casa. Fotografia: Daniel Marenco/Guardião

Segundo as autoridades, a assembleia estadual poderá votar o plano de transição energética dentro de um ano. Marjorie Kauffmann, secretária estadual do Meio Ambiente, diz que o desastre criou um raro sentimento de unidade em torno da política de transição energética apresentada no meio do mandato eleitoral.

“Em 2023, o nosso governo adotou uma estratégia sistémica para avançar em direção a soluções de energia renovável. Depois das cheias, senti que tínhamos encontrado um grande ponto de acordo comum com a sociedade para encontrar soluções climáticas”, diz ela.


TO governo estadual afirma que os investimentos em hidrogénio verde, energia eólica offshore e biocombustíveis podem ser cruciais para a economia da região. UM Estudo McKinsey no ano passado sugeriu que o hidrogênio verde poderia trazer R$ 62 bilhões e 41 mil novos empregos para o Rio Grande do Sul até 2040.

Um recente Relatório do Banco Mundial também sugeriu que os parques eólicos offshore do sul do Brasil tinham potencial para produzir 660 GW de eletricidade – aproximadamente o equivalente à nova capacidade fotovoltaica total do mundo este ano.

O país tem 97 projetos eólicos offshore em desenvolvimento, incluindo 27 no Rio Grande do Sul.

O parque eólico de Osório, no Rio Grande do Sul, que era o maior da América do Sul quando começou a operar, em 2007. Fotografia: Lisandro Trarbach/Alamy

Leite, que se candidatou à presidência do Brasil em 2022, acredita que a liberalização do mercado impulsionará o setor energético da região. Ele planeia alocar fundos públicos para estimular a construção de parques eólicos offshore e fábricas de componentes para atrair investimentos e novos concorrentes.

“A transição para fontes de energia renováveis ​​exige investimentos significativos, mas a tecnologia ainda está em fase inicial, o que deixa os investidores cautelosos”, reconhece Leite.

Leite espera ajudar as comunidades que dependem fortemente do carvão a fazer a transição para novos empregos e uma economia mais sustentável. Ele diz: “81% da nossa produção de energia é renovável, mas ainda há uma parte sendo produzida por usinas a carvão e sabemos que isso tem que acabar.

Uma criança de Sarandi conserta sua bicicleta em uma rua ainda cheia de escombros deixados pela enchente. Fotografia: Daniel Marenco/Guardião

“Ainda assim, se não criarmos novas perspectivas económicas, não haverá capital político ou social para apoiar a transição.”

Segundo Caarem Studzinski, sócio da Aeroespacial, consultoria em energia eólica e solar, afirma que garantir esses investimentos tem maior probabilidade de melhorar as oportunidades de emprego e estimular o desenvolvimento sustentável.

“O estado terá energia mais barata produzida localmente, o que também incentivará a economia regional”, afirma Studzinski.

Daniela Cardeal, chefe do sindicato dos empregadores da indústria de energia renovável O SindiEnergia, que também está em negociações com o governo para integrar mais fontes de energia limpas na rede elétrica, diz que o sul do Brasil tem uma longa “fila de interconexão” de projetos que passam por avaliações de impacto antes do início da construção.

“Os preços da energia eólica ainda são muito baixos, o que não ajuda a atrair novos projetos. Mas o nosso mercado está a viver um momento emocionante para novas tecnologias de energia sustentáveis”, afirma ela. “Temos que aproveitar esta oportunidade e começar a pensar como isso pode ajudar a renovar o nosso estado dentro de dois a cinco anos.”

Se o plano de transição for bem-sucedido, o Rio Grande do Sul poderá se tornar uma referência global em energias renováveis. O estado já responde por 27% da produção de biocombustíveis do Brasil.

As energias renováveis ​​também ajudam a descarbonizar o agronegócio – uma das indústrias mais poluentes da região. Domingos Lopes, vice-presidente da federação agrícola do estadoFarsul, diz estar otimista com a transição.

“O Brasil pode ser um player agrícola de baixo carbono e o Rio Grande do Sul é o seu melhor exemplo. Todas essas políticas consolidariam a nossa agricultura sustentável. Então, nós os vemos como uma grande oportunidade.”

No entanto, o congresso brasileiro ainda não votou um projeto de lei para estabelecer um novo quadro jurídico e regular os projetos de transição energética, o que levou muitos investidores a adiarem os seus planos mais ambiciosos.

Detritos da enchente acumulados na Rodovia 448 de Porto Alegre. Fotografia: D Marenco/Guardião
Montes de lixo e entulhos deixados pelas enchentes ainda estão empilhados em barracos no bairro Sarandi, em Porto Alegre. Fotografia: Daniel Marenco/The Guardian

Mesmo que os especialistas concordem que o New Deal Verde prometido pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, poderia aumentar o PIB local e reduzir a dependência da agricultura e da pecuária, muitos temem que a pressão pelas energias renováveis ​​possa desviar a atenção dos problemas sociais prementes. Os activistas sublinham que as pessoas deslocadas pelas cheias ainda precisam de ajuda governamental.

“Seis meses depois das cheias, a situação tornou-se ainda mais crítica. As casas, a maioria em condições muito precárias, estão destruídas”, diz Gabriela Barreto, ativista do Aldeias Infantis SOS. “A água escura e poluída derrama-se nas ruas com cada chuva forte, detritos e lixo formando uma lembrança cruel do desastre.”

Pablo Mattos, do ACNUR, diz que a escala da catástrofe é o maior desafio. “As cheias afectaram quase todos os municípios, muitas comunidades, muitas camadas sociais”, afirma. “É um grande obstáculo.”

Kellen Lopes Costa, 38 anos, cuja casa e salão de beleza em Sarandi ainda trazem as cicatrizes do desastre, diz que ainda tem pesadelos com a enchente. Fotografia: Daniel Marenco/The Guardian

Os governos federal e estadual aceleraram medidas para ajudar as vítimas das enchentes. Em setembro, o governo federal disse que já havia investiu R$ 98,7 bilhões na resposta emergencial para reconstruir a infraestrutura e apoiar pessoas e empresas no Rio Grande do Sul.

As autoridades estaduais também alocaram mais de R$ 2,4 bilhões a centenas de projectos, incluindo habitação em áreas mais seguras para os deslocados.

No entanto, em Porto Alegre e nas cidades do interior afetadas pelas enchentes, como Canoas, São Leopoldo, Muçum, Roca Sales, Cruzeiro do Sul e Caxias do Sul, milhares de pessoas continuam vivendo em áreas de risco de enchentes.

Silenciosamente desafiadora, Kellen Lopes Costa, 38 anos, está reconstruindo sua vida a poucos quarteirões de um canal em Porto Alegre que transbordou em maio, da casa que sua família construiu e de seu pequeno salão de beleza.

Ela diz que ainda tem pesadelos sobre quando a água turva invadiu sua casa e ela e o marido tiveram que fugir com apenas uma sacola de roupas para os dois filhos.

“É angustiante perder tudo o que trabalhamos durante toda a nossa vida”, diz ela. “Mas continuamos lutando para nos recuperar. Fazemos isso pelos nossos filhos.”



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