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O mar aproximava-se, era tão doloroso ver a minha casa destruída – Isto é colapso climático |

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Nascida em Campos dos Goytacazes, Sônia Ferreira passou as férias da infância na cidade litorânea de Atafona. Depois que ela e o marido se casaram, eles construíram uma casa de verão lá e no final Na década de 1990, ela se mudou para lá permanentemente. Hoje com 79 anos, reformada e viúva, Sónia ainda vive em Atafona com a filha, onde a erosão costeira causou a destruição de 500 casas nas últimas décadas. Mais pessoas estão em risco, e espera-se que o mar se aproxime ainda mais para o interior em até 150 metros nos próximos 30 anos.

Quando construímos a casa em 1978, não conseguíamos ver o mar. Eram dois quarteirões em frente à casa, depois a Avenida Atlântica, que era asfaltada e tinha calçada, e depois uma enorme faixa de areia antes de finalmente chegar à praia. Nunca imaginamos que um dia chegaria à nossa casa.

Sônia Ferreira conta que seus filhos começaram a dizer que ela deveria se movimentar conforme o mar avançasse. Photograph: Thiago Freitas/Contramaré Comunicação

Bem à nossa frente estava o único bloco de apartamentos de Atafona, o edifício Julinho, de quatro andares, que observei ser construído. Foi destruída pelo mar em 2008. De certa forma, os escombros protegiam a minha casa, mas o mar avançava lentamente. Meus filhos começaram a dizer que eu deveria me mudar. Acompanhei o estado das marés como se fosse um pescador, pois estava pensando em ficar.

Em 2019, eu estava na varanda do meu quarto quando minha vizinha da frente me ligou, pedindo para filmar o mar, que batia forte na lateral da casa dela. A base do muro já havia desaparecido, porque o mar estava tirando a areia do térreo. Filmei no meu celular, depois enviei para ela e, quando olhei para cima, vi água entrando pela parte da parede que havia caído. É como viver num castelo de areia.

Para impedir o avanço, pensamos em colocar pedras na frente do muro, mas isso prejudicaria os vizinhos, mesmo que me protegesse um pouco. Porque o mar não para de chegar, apenas dá voltas.

Instalamos cercas, com grandes chapas metálicas, para retardar o movimento. Meu quarto, que ficava mais próximo do mar, já tinha uma rachadura enorme na parede por causa de vazamentos. Quando a cerca tocou a casa, não tivemos escolha. Então, como tínhamos uma casinha nos fundos, onde morava a governanta, mudei para lá.

Sônia Ferreira holds a picture of family members. Photograph: Thiago Freitas/Contramaré Comunicação

O mar estava cada vez mais perto e era muito doloroso ver minha casa sendo destruída aos poucos. Em 2022, junto com meus filhos, decidi demoli-lo. Foi um momento muito difícil. Eu tinha acabado de descobrir que tinha câncer de ovário e precisava remover os dois ovários, não conseguia sair da cama. Demorou três meses para derrubá-lo.

Depois disso, continuei morando na casinha dos fundos, até outubro deste ano. Aí tive que sair de lá também, porque começou a entrar muita areia.

Lembro que quando ainda morava lá, passava a mão no rosto e sentia areia. Dunas começaram a se formar na rua e chegava-se ao muro da entrada da casa. Depois formou-se outra enorme duna no jardim. Não consigo mais abrir o portão principal, e o portão da garagem só abre um pouco, porque tem tanta areia no caminho que não entra carro.

Pedi para um cara com trator tirar a areia, mas ele disse que eu estava jogando dinheiro fora, porque toda vez que ele tirava o vento soprava e a duna se formava novamente. O vento nordeste aqui é naturalmente forte, mas agora está ainda mais forte.

Sobre a série

Esta análise climática foi elaborada em colaboração com o Projeto de Desastres Climáticos da Universidade de Victoria, no Canadá, e a Cruz Vermelha Internacional. Leia mais.

Equipe de produção

Hoje posso falar com mais facilidade, mas a experiência em si foi muito dolorosa. Já me senti assim quando vi o sofrimento de outras pessoas, da comunidade, de amigos que estavam perdendo suas casas. Eu vivi isso e senti essas emoções.

Mas quando isso acontece com você, vira tudo de cabeça para baixo. É um turbilhão de emoções. Comecei a lembrar dos meus filhos quando eram pequenos, da minha família e de todos que moravam lá conosco. Não foram os bens materiais que senti que perdi, mas sim os momentos que tive naquela casa. Não dá para reconstruir esse contexto em outro lugar, basta ir para outra casa e construir outra história.

Mas apesar do sentimento de perda, sinto que sou uma pessoa feliz. Moro com meus filhos e netos e tenho muitos amigos aqui em Atafona. Os relacionamentos aqui são puros. As pessoas gostam de você pelo que você é, não pelo que você tem. Tenho uma neta de 13 anos que gosta de sentar e conversar comigo. Um dia ela me perguntou: “Vovó, como você consegue ter essa paz, como se tudo sempre fosse bom para você?” Respondi que aprendemos ao longo da vida com as coisas que Deus nos dá.

Minha ligação com Atafona é tão forte que quando morava no Rio me sentia estressado em meio a toda aquela atividade e barulho. “Preciso recarregar as baterias em Atafona”, eu dizia, e vinha para cá. Quando chegasse, deixava os sapatos no carro e ia dar um passeio na praia. Depois de dois dias aqui, geralmente sábados e domingos, eu voltava uma pessoa nova, renovada. Acho que é algo espiritual e emocional.

Vista aérea de uma casa que caiu na véspera na praia de Atafona, Rio de Janeiro, Brasil, em 2022. Fotografia: Mauro Pimentel/AFP/Getty Images

E não sou só eu, todos os que aqui vivem ou têm casa continuam a adorar Atafona, apesar desta catástrofe. Há uma sensação de bem-estar, um sentimento íntimo, uma felicidade, uma alegria tão transbordante que quando você está aqui ninguém quer ir embora. Algumas pessoas que perdem as suas casas não querem sair e ficam a viver nos escombros, o que é um perigo.

Temos uma organização chamada SOS Atafona, da qual sou atualmente presidente. Continuamos esperando que algo seja feito aqui. Achávamos que poderia ser feito algum controle da erosão, como tem sido feito em outros estados e cidades.

Mas, de certa forma, sabemos que a culpa é nossa, como seres humanos, porque não cuidamos do meio ambiente como deveríamos. Historicamente, os meses de março e agosto foram quando o mar está mais agitado por aqui, quando sabíamos que iria avançar. Mas hoje em dia não é assim. Pode ser a qualquer momento.

Este depoimento foi produzido com a ajuda do Projeto de Desastres Climáticos; obrigado a Sean Holman, Aldyn Chwelos, Darren Schuettler, Ricardo Garcia, Cristine Gerk, Tracy Sherlock, Lisa Taylor.



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