UMAo anoitecer, a aldeia de Piyulaga começa a acordar. As famílias se reúnem na entrada de suas cabanas, as crianças brincam e andam de bicicleta, e a música sertaneja brasileira enche o ar enquanto as luzes piscam no pequeno assentamento na Terra Indígena do Xingu, em Mato Grosso, Brasil. Alguns moradores assistem TV enquanto outros relaxam em redes com seus celulares, iluminados por holofotes na área comum.
Seria trivial se não fosse por um detalhe: a luz só está disponível há algumas semanas, graças à instalação de novos painéis solares em cada casa.
Nos últimos anos, os projetos solares multiplicado em comunidades remotas em vários países amazônicos, principalmente com financiamento de organizações da sociedade civil, ajudando a democratizar a eletricidade em áreas fora da rede da América Latina.
As regiões amazônicas no Brasil, Colômbia, Equador e Peruque compreendem mais de 80% do biomatêm a cobertura eléctrica mais baixa de cada país. Apesar da abundância energia hidrelétrica e extração de petróleo na região, a maioria dos residentes nestas áreas isoladas estão desligados das redes nacionais e dependem de fontes caras e poluentes como termelétricas e geradores a diesel, pouco beneficiando-se dos recursos extraídos de suas terras.
No entanto, exemplos como a instalação de painéis solares em Piyulaga mostram que os benefícios dos novos desenvolvimentos energéticos podem ser partilhados, mudando vidas e criando novas oportunidades.
Segundo especialistas ouvidos pela Diálogo Terraos pequenos sistemas solares são mais baratos, têm menor impacto ambiental e requerem menos manutenção do que outras fontes de energia, evitando emissões de gases poluentes. Além disso, apontam para a abundância de sol na região.
“Em regiões remotas, a escolha da energia solar tem consenso universal”, afirma Vinícius Oliveira, líder de projeto do Instituto de Energia e o Meio Ambiente (Iema), organização sem fins lucrativos que promove políticas públicas de energia e transporte.
“Mas para resolver o problema em escala são necessários muitos recursos e um certo ‘compromisso’… caso contrário, você fica dependente da filantropia”, diz Oliveira. “Isso só é possível por meio de políticas públicas.”
Quase todos os brasileiros sistemas isolados – áreas não conectadas à rede nacional – estão na Amazônia. Cerca de 3 milhões de pessoas que vivem lá dependem de usinas termelétricas, e pouco menos de um milhão só tem acesso esporádico à eletricidade, principalmente através de geradores a diesel.
Em 2020, o governo do ex-presidente Jair Bolsonaro lançado o programa Mais Luz para a Amazônia para expandir energia renovável em áreas isoladas, mas o progresso tem sido lento. No final de 2022, 13.000 famílias, menos de 20% da população 70.000 prometidosestavam conectados, de acordo com uma análise da Dialogue Earth com base em dados do Ministério de Minas e Energia.
Em 2023, esta iniciativa foi integrada no Luz para todospolítica introduzida pelo atual presidente, Luiz Inácio Lula da Silva. Desde então, o processo se acelerou: 31 mil residências foram conectadas em áreas remotas da Amazônia, embora o Luz para Todos tenha como meta 228.000 unidades até 2026.
A eletricidade renovável chegou à maioria das aldeias do território do Xingu, a reserva indígena mais antiga do Brasil, que foi precursora em projetos solares.
Em 2009, o Instituto Socioambiental (ISA), que tem um histórico de trabalho próximo aos povos do Xingu, começou a instalar painéis solares em pontos estratégicos do território de 2,6 milhões de hectares (6,5 milhões de acres), que até então dependia de geradores a diesel.
“Tudo foi feito para servir a coletividade”, afirma Marcelo Martins, agrônomo do ISA, destacando que escolas, postos de saúde e bombas d’água ganharam energia limpa.
Agora, a energia solar no Xingu entra em uma nova fase: a distribuidora local de energia, com recursos do governo federal, está equipando cada casa da aldeia Piyulaga com painéis.
A nova cabana de Tapiyawa Waurá ainda está sendo construída, então sua família ainda não se mudou, mas a energia solar já carrega celulares e alimenta eletrodomésticos. Ele é responsável pela merenda escolar e leva um tucunaré peixe ou tucunaré de um freezer recém-instalado. “Antes, eles tinham que ir direto para o fogo”, diz ele. “Agora posso deixá-los aqui por mais tempo.”
O congelador, os telemóveis e os holofotes estão hoje entre os equipamentos mais utilizados e valorizados da comunidade. Embora o céu noturno não seja mais tão estrelado com o aumento da luz artificial, a substituição dos painéis solares por muitos geradores trouxe tranquilidade e eliminou o cheiro de combustível queimado, dizem os moradores.
A cabina telefónica num canto da aldeia também já não funciona. Quase todo mundo possui um telefone celular. Esta ligação ilimitada à Internet num local onde, até recentemente, havia pouco acesso e onde a língua e os rituais tradicionais são importantes, trouxe consigo algumas preocupações entre os líderes. Mesmo assim, dizem que não há como voltar atrás.
“A tecnologia traz problemas, mas será útil para quem está consciente”, diz Yanahin Waurá, presidente da Associação Indígena Tulukai local.
UMUma iniciativa na Amazônia peruana também utiliza a conectividade possibilitada pela energia solar para fortalecer a proteção das terras. Desde 2023, a Associação Interétnica para o Desenvolvimento da Floresta Tropical Peruana (Aidesep) atua liderando um projeto que instala painéis solares e antenas parabólicas em comunidades sem acesso à eletricidade no nordeste do Peru. Segundo o coordenador da associação, Julio Cusurichi, as instalações fortalecem a vigilância e a proteção florestal em grandes territórios.
A energia solar permite carregar dispositivos eletrónicos – como telemóveis, drones e antenas parabólicas – que melhoram a comunicação entre os membros da comunidade e a monitorização terrestre. Os sistemas podem alertar a população local sobre invasões territoriais ou conflitos com partes externas. Cada incidente é documentado e armazenado em um sistema centralizado.
Cusurichi diz que a organização está integrando uma plataforma em tempo real que permite aos ativistas ambientais documentar ameaças territoriais. Esses dados são carregados e mantidos pelo escritório nacional da Aidesep.
Com a ajuda dos equipamentos já instalados, a Aidesep está realizando uma análise para identificar comunidades de cada região que não têm acesso à energia elétrica.
“O governo não está interessado em apoiar serviços que ajudem as comunidades, mas a energia solar é uma alternativa”, afirma Cusurichi.
Um projeto semelhante também teve sucesso na Amazônia equatoriana. O Aliança Ceiboorganização que reúne os povos indígenas Secoya, Siona, Kofán e Waorani, instalou sistemas solares em 16 comunidades, permitindo que guardas territoriais usem energia limpa para carregar seus drones, GPS e outros equipamentos de vigilância.
“Devemos implementar projetos que beneficiem [the communities]criando autonomia e sem agredir o meio ambiente e a cultura”, afirma Hernán Payaguaje, cofundador da aliança.
No entanto, até agora estes projectos estão a fazer apenas uma pequena diferença quando comparados com o desafio de substituir os geradores de combustíveis fósseis, que ainda são a principal alternativa nestas regiões, segundo Eduardo Pichilingue, coordenador da Cuencas Sagradas (Bacias Sagradas), uma organização indígena aliança para proteger a Amazônia em Equador e Peru.
Embora a Amazônia equatoriana abrigue a maior parte dos blocos petrolíferos do país e sua principal barragem hidrelétrica, mais de 70% de suas comunidades indígenas estão fora do alcance da rede nacional, refletindo a situação dos seus vizinhos brasileiros. A taxa é semelhante na Amazónia peruana, que enfrenta desafios logísticos ainda maiores, dado que o seu território é várias vezes maior que o do Equador.
Mas para José Serra Vega, consultor independente de energia e ambiente, a dificuldade vai além da logística. “A Amazônia é tratada como se fosse um país distante ou estrangeiro”, afirma o especialista peruano. “Não há interesse pela Amazônia por falta de conhecimento e porque seus habitantes têm pouco peso político.”
EUcomunidades isoladas não são os únicos grupos que enfrentam acesso precário à eletricidade na Amazônia. Em muitos casos, municípios inteiros e regiões consideráveis permanecem desligados do sistema eléctrico nacional.
O departamento colombiano de Vichada, na fronteira com a Venezuela e uma das portas de entrada do país para a Amazônia, é uma dessas áreas que enfrenta graves desafios. Esta região de 100.000 km2 (24 milhões de acres) permanece desconectada da rede nacional, incluindo a capital, Puerto Carreño – um pesca e agricultura cidade de cerca de 22 mil habitantes que depende principalmente de usinas termelétricas e enfrenta apagões frequentes.
“Às vezes são dias inteiros, semanas inteiras sem energia”, diz Sonia Prada, professora e activista que faz campanha para melhorar o serviço de electricidade em Vichada. Junto com outros moradores de Puerto Carreño, a Prada participou de protestos contra a falta de fornecimento de energia elétrica.
A Colômbia comprava eletricidade para a região da Venezuela, que tinha infraestrutura mais desenvolvida. Mas esta cooperação foi interrompida em 2019 devido a um conflito diplomático e a uma aumento nas tarifas de eletricidade.
Uma das grandes esperanças para a soberania energética de Vichada era o Centro de Investigação em Energias Renováveis (Ciner). O projeto, que visa produzir energia solar e servir como pólo de formação, iniciou a construção há mais de uma década mas nunca esteve operacional. Suas instalações estão abandonadas, envoltas em alegações de corrupção e o desperdício de cerca de 30 mil milhões de pesos colombianos (cerca de 5,4 milhões de libras).
“É definitivamente um elefante branco”, diz Julio Cesar Hidalgo, líder local e reitor de uma escola em Puerto Carreño. “É triste ver o quão abandonado está.”